Upcycling: como o mercado está incorporando essa tendência?
A sustentabilidade já não é mais uma opção para as empresas. Se antigamente as pessoas viam no consumo de produtos e serviços ecológicos uma forma de se sentirem bem e adquirirem status, hoje elas já sentem vergonha por consumir o que não carrega esse tipo de benefício. Nesse cenário, o upcycling surge como um processo que traz novas possibilidades de criação, inovação e entrega de valor para marcas de diversos segmentos.
Especialmente na moda, ele vem se tornando uma tendência mais que bem-vinda. Segundo o Sebrae, só no Brasil, são geradas cerca de 300 toneladas de retalhos e aparas de couro diariamente. E, por ano, são produzidas cerca de 170 mil toneladas de resíduos têxteis. Você já ouviu falar nessa tendência? Entenda a seguir!
O que é upcycling?
É um processo que utiliza resíduos pré e pós-consumo — por exemplo, sobras de produção e peças de roupa que seriam destinadas a aterros — como matéria-prima para a criação de novos produtos. Mas, diferente da reciclagem, que reaproveita materiais com redução do valor agregado, o upcycling reinsere os produtos no ciclo de consumo com a mesma relevância, seja pela exclusividade, seja pelo caráter sustentável das peças.
O upcycling está alinhado com duas tendências de comportamento: a busca por produtos e serviços que façam as pessoas terem orgulho da marca e a procura por itens alternativos, produzidos em edições limitadas — que também é uma das exigências dos novos consumidores. Afinal, quando partimos dos resíduos que temos à disposição, precisamos entender quais são os limites trazidos por esses materiais e como trabalhar de maneira criativa com eles. E nada mais apropriado para os designers do século XXI, não é mesmo?
Em entrevista ao portal Fashionista, a pesquisadora de tendências Cecile Poignant afirma que, especialmente na moda, a ascensão do upcycling não só contribui com o consumo sustentável, mas também para o entendimento das roupas como peças de arte, capazes de dialogar com a cultura e com a nossa busca por conexão. E peças desse tipo são produzidas em poucas unidades, o que lhes traz um caráter de exclusividade.
Como esse processo colabora com a Economia Circular?
No livro “Cradle to Cradle” (“Do Berço ao Berço”, em português), os autores William McDonough e Michael Braungart propõem o conceito de economia circular, no qual o ciclo de vida dos produtos se aproximaria do ciclo biológico: os materiais são tratados como nutrientes, de forma que eles possam ser continuamente reutilizados, sem que haja desvalorização ou contaminação do produto.
Assim, ao transformar um resíduo em um novo produto, preservando a sua composição e agregando valor, o upcycling se mostra um processo fundamental para a economia circular, permitindo que designers e marcas continuem propondo produtos atraentes para os consumidores, mas de um modo mais sustentável. Com isso, as empresas inovam em seus processos de criação e ainda estabelecem parcerias rentáveis.
O Banco de Tecido, por exemplo, permite que designers depositem e comprem sobras de tecido de confecções e ateliers. Ele conta com uma espécie de moeda interna, de modo que, ao levar os retalhos e aparas, os designers ganham um crédito para adquirir novas sobras por lá. Marcas como Insecta Shoes, Re-Roupa, Karmen e Panaceia são algumas das que já utilizam esse tipo de serviço para suas coleções.
E como aplicar o upcycling em uma estratégia de negócio?
Já deu para perceber que o upcycling é uma grande oportunidade para inovar, conquistar o público com iniciativas sustentáveis e reduzir a geração de lixo, não é mesmo? Mas, para incorporar essa tendência em um novo projeto, é preciso se atentar a alguns pontos:
- identifique, em sua comunidade, materiais que podem ser reaproveitados, levando em conta a sua composição e como garantir a qualidade do produto;
- faça parcerias com empresas, para obter os materiais que seriam descartados por elas. Assim, vocês podem cocriar e gerar renda em programas de logística reversa (área especializada no reaproveitamento ou descarte apropriado de resíduos);
- procure formas criativas para inovar no desenvolvimento de produtos, entregando soluções atraentes para o seu público.
O mercado brasileiro e internacional está cheio de exemplos interessantes de uso de resíduos em projetos inovadores: algumas marcas já incorporaram esses procedimentos, integrando-os com outras iniciativas sustentáveis, como parcerias com produtores locais, ações educativas e estímulo ao descarte correto dos produtos.
A Insecta Shoes, por exemplo, transforma roupas usadas em calçados veganos. Para isso, ela reutiliza sobras de tecido e roupas de brechó no cabedal dos sapatos, além de sobras têxteis e antigos calçados para fazer a palmilha. A sola é feita com borracha reciclada e a maior parte desses materiais vem de fornecedores locais. Para estimular que os clientes colaborem com a Economia Circular, a marca dá um cupom de desconto para aqueles que devolverem o sapato quando ele não servir mais para uso.
Já a marca belga de mobiliário infantil ecoBirdy, criada pelos designers Vanessa Yuan e Joris Vanbriel, levou mais de dois anos de pesquisa para propor um processo de upcycling inovador. Em busca de materiais ecológicos para um novo projeto, eles descobriram que grande parte dos brinquedos era destinado a aterros sanitários ou oceanos.
Eles então criaram móveis a partir de brinquedos coletados em escolas infantis, que são desmontados em oficinas locais e encaminhados a um centro de reciclagem profissional. Lá, o plástico é processsado de forma que ele não perca suas qualidades e nem necessite de corantes ou resinas.
E para colaborar com a conscientização das crianças sobre a importância da sustentabilidade e da Economia Circular, a ecoBirdy também desenvolveu um livro infantil. Na história, um brinquedo descartado ganha nova vida para alegrar a meninada.
O upcycling, alinhado à tendência da Economia Circular, é um processo interessante para designers que desejam inovar em seus processos criativos. Afinal, propor soluções sustentáveis não só colabora com um mundo melhor, como também nos estimula a trabalhar em parcerias, visualizando novas formas de crescimento.