Lettering no design: expressão manual, identidade visual e estratégia de marca

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Ele ganhou notoriedade por volta de 2020, quando atividades manuais se tornaram um refúgio criativo em tempos de isolamento social. Mas, atualmente, sua presença é mais sólida, estratégica e conectada com a maneira com que marcas se comunicam e se posicionam no mercado. O lettering deixou de ser apenas uma tendência ou expressão artística para se consolidar como uma importante ferramenta de identidade visual e branding.

Neste artigo, vamos explorar o que é lettering, como ele se diferencia da tipografia tradicional e sua conexão com o design contemporâneo. Além disso, vamos falar um pouco sobre como ele se tornou um caminho estratégico para marcas que buscam conexão emocional, autenticidade e relevância com diferentes gerações.

O que é lettering?

O lettering é o desenho personalizado de letras, palavras ou frases. Esta prática se fundamenta em diferentes técnicas e conhecimentos se inspirando em diferentes escolas do desenho de letras. Na caligrafia, o desenho é sempre manual, se estrutura a partir do ductus (ordem e direção dos traços) e transmite a expressão da ferramenta utilizada. Uma caligrafia feita a pluma, por exemplo, terá uma expressão visual diferente de uma feita a pincel. 

Já a tipografia consiste do desenho sistematizado de um conjunto de caracteres (letras, números, acentos, ornamentos…) com características congruentes entre si, que será programado como um software. O lettering é uma prática mais livre, podendo ser desenhado a mão ou digitalmente e, nem sempre, expressa as características da ferramenta utilizada.

Essa prática tem raízes antigas, ligadas à caligrafia e à tradição da escrita como arte, mas hoje encontra novos meios de expressão e propósito no universo digital, deixando de ser uma técnica usada exclusivamente por profissionais. Assim, ela passa a fazer  parte do cotidiano de muitas pessoas, seja como ferramenta para desestressar no tempo livre ou para tornar os estudos e resumos escolares mais bonitos e divertidos. 

O lettering permeia um movimento de organização pessoal bem maior, podendo facilmente ser visto, por exemplo, em planners e bullet journals, que são maneiras artesanais de organizar, visualmente, a semana, o mês e, até mesmo, o ano todo (não, nada de google agendas!). Se você ainda não conseguiu visualizar o que é o lettering, basta fazer uma rápida pesquisa nas redes sociais para conhecer um pouco mais sobre essa técnica. 

O lettering, então, é essencialmente, um design único, pensado como imagem e como ilustração, algo além da palavra. A letra deixa de ser apenas um suporte para a linguagem verbal e passa a ser, ela própria, a mensagem visual. Grande parte do seu diferencial é a sua capacidade de provocar sensações e emoções, pontos que podem ser importantes para uma estratégia de construção de marcas e projetos de design.

O que o lettering revela sobre o design?

A adoção ampla do lettering por designers, marcas e consumidores está muito associada a uma valorização de recursos visuais para a resolução de problemas. As pessoas já perceberam que o pensamento do designer é muito significativo para criar soluções em diversas áreas e, por isso, o Design Thinking é um recurso tão relevante. Essa busca por autenticidade, muitas vezes em oposição à padronização e automação, é uma resposta direta ao excesso de homogeneidade que caracterizou parte da comunicação nos últimos anos, especialmente a comunicação digital.

O lettering, ao privilegiar a personalização, reforça uma perspectiva mais humana do design. Ele convida à imperfeição criativa, à construção de algo único, que não pode ser replicado simplesmente com um recurso digital. Isso dialoga com valores contemporâneos como o slow design, o artesanal e a estética do wabi-sabi, um conceito japonês que valoriza o imperfeito, o impermanente e o incompleto. Dessa forma, o lettering revela ainda uma dimensão emocional do design, na qual palavras desenhadas falam com mais profundidade do que palavras digitadas, compondo assim uma comunicação mais intensa.

Além disso, o Visual Thinking é um caminho que segue ganhando força, porque ele vai além da lógica do pensamento do design, sendo um jeito ainda mais amplo de expressar as ideias. O conceito dessa prática está relacionado com um processo no qual as informações são traduzidas da forma mais visual possível, porque, dessa maneira, são assimiladas mais facilmente. Entendeu porque os resumos com lettering e os demais recursos estéticos, como os mind maps, são tão utilizados?

É importante lembrar, no entanto, que mesmo que se trate de uma técnica muito manual, não significa que qualquer pessoa pode realizar o trabalho do designer. A área caminha cada vez mais para um lugar estratégico, em que os recursos gráficos não têm o fim em si mesmos. Eles são utilizados como parte de um plano, que envolve outros elementos que podem trazer coesão para tornar a estratégia de comunicação mais eficaz.

O lettering como uma experiência emocional

O design, então, não é apenas sobre estética, mas sobre construir experiências que criam conexões emocionais. Tendo isso em mente, o lettering cumpre o papel de não apenas transmitir uma mensagem, mas de promover essas experiências para os públicos. Quando uma marca opta por um lettering, ela está dizendo que valoriza o contato direto, a atenção ao detalhe, o cuidado com o que é dito e, também, com a forma que a mensagem é dita.

Essas experiências e sensação positiva de valorização acompanham o movimento cíclico das atividades manuais, que retomam com frequência como uma resposta ao cansaço digital e ao excesso de telas. Um exemplo simples são os livros de colorir para adultos, que foram tendência durante a pandemia de COVID-19 e retornaram às prateleiras das livrarias em 2025. Esses movimentos de consumo ressurgem sempre que a sociedade demanda um respiro, uma desaceleração, um retorno ao controle sensorial.

Sentimentos e autenticidade na construção de marcas

Um dos motivos pelos quais o lettering ganhou espaço no design é sua sintonia com os valores entre os millennials (nascidos entre 1981 e 1996) e a geração Z (a partir de 1997). Esses públicos demonstram maior interesse por marcas que se posicionam de maneira autêntica, que compartilham valores éticos e que oferecem experiências personalizadas e afetivas.

De acordo com dados apresentados por Cassandra Napoli, Head de Marketing e Eventos da WGSN, no Central do Varejo Day, evento realizado em janeiro de 2025, a tendência de consumo para 2027 e para os anos seguintes gira em torno de conexões emocionais entre marcas e seus consumidores. Um dado relevante da pesquisa da WGSN está na preferência de 49% das pessoas em escolher empresas que proporcionam alegria, contra 19% que focam apenas na funcionalidade. 

Além disso, Napoli enfatizou que os consumidores não compram apenas produtos, mas sentimentos, com 86% considerando necessidades emocionais como altamente relevantes em suas decisões de compra. Cassandra também apresentou o conceito de feel appeal, que coloca a sensorialidade e a emoção no centro do design de produtos e experiências, respondendo à fadiga digital e emocional dos consumidores. 

Diante dessa tendência, fica claro que o processo de compra passa pela construção de sentimentos para que marcas se mantenham relevantes. E o lettering, como técnica e linguagem visual, é altamente compatível com essas demandas.

Muito mais que uma tendência passageira

Embora tenha ganhado visibilidade como uma febre, o lettering se consolidou como uma prática duradoura e multifacetada no design. Ele revela uma virada importante do design como produto para o design como experiência. Mais do que decorar, o lettering comunica, envolve, emociona e conecta.

Para marcas, é uma ferramenta valiosa de diferenciação e identidade. Para consumidores, é um indicativo de autenticidade e cuidado. Em tempos de automação e inteligência artificial, o que é feito à mão se torna ainda mais relevante. O lettering é, portanto, uma prova de que as empresas precisam estar sempre atentas às tendências de comportamento e de consumo. 

Para se aprofundar um pouco mais no tema, a gente indica alguns os livros a seguir:


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